Red-and-blue-pills

Por Carla Codeço

De uns tempos pra cá tenho visto com certa frequência reportagens cujas manchetes anunciavam uma possível cura para a síndrome de Down (SD). Elas se referiam a pesquisas diferentes. Pelo menos três. Foi inevitável parar para pensar e avaliar o efeito destas notícias na minha vida. Seriam notícias boas as que anunciavam a possibilidade de “desativar” a síndrome do meu filho? Como seria ele, sendo ele mesmo, mas sem a SD? Seria ele mesmo ainda? Ou será que eu teria, após a deglutição de uma pílula milagrosa, um novo filho? Nascido aos oito anos de idade? Não. Não quero curar meu filho. Por outro lado, estou cansada. Sim, muito cansada! E esta maternidade me cansou mais do que a primeira, não posso negar. Mas por quê? Se olho apenas pro meu filho, esta cura que buscam me parece desnecessária. Inútil mesmo. Logo que ele nasceu, achei que teria muitas dificuldades a enfrentar em decorrência do que ele não seria capaz de fazer. Hoje vejo que Rafael dá conta de tudo que é de sua responsabilidade. Precisa de uma ajuda?! Precisa, mas faz tudo. Foi um bebê ótimo e hoje é uma criança ótima também. Brinca, faz má-criação, birra, dá muitas alegrias, encanta todos da família e as pessoas que têm a oportunidade de conhecê-lo e permitem uma aproximação. O que me tira o sono hoje em dia não é ele. Não é a ajuda extra que tenho que demandar por ele. Mas e se olho para o mundo que o cerca? A escola, o parquinho, as pessoas à nossa volta? Sim! Adoraria ler nos jornais uma manchete que anunciasse uma cura para as barreiras atitudinais. Esta cura, sim, me deixaria, ansiosa, cobiçando o remedinho milagroso. Eu não precisaria mais batalhar repetidas vezes para mostrar que, sim, meu filho é apenas mais uma criança de oito anos e não um “bicho de sete cabeças”. Este remédio eu levaria com toda a alegria do mundo, junto com um copo d’água, para que a escola engolisse. Assim pararia de buscar uma receita de bolo para educar o meu filho, já que aos olhos da escola ele não pode ser educado como os demais. Como se as particularidades dele fossem mais peculiares que as dos outros tantos da mesma turma. Levaria também para as mães do parquinho que ficam incomodadas com a proximidade do meu filho, para que elas engolissem. Ah, levaria também para as pessoas que fingem não escutar quando ele educadamente cumprimenta e tenta iniciar uma conversa. Se as reportagens estivessem anunciando a cura destas barreiras, aí sim causariam um rebuliço e uma corrida frenética para a compra deste remédio, eu garanto! Mas, pensando bem, eu também precisei de uma cura quando dei à luz um filho que não se encaixava na imagem preconcebida que eu tinha do meu segundo filho. Eu era uma mãe assustada, paralisada, que já não permitia que o sentimento de maternidade fluísse e seguisse naturalmente me fazendo não hesitar em ser mãe. Como iria educar um filho diferente? Como seria o futuro deste bebê? E sabe onde encontrei minha cura? No meu próprio filho. Foi só olhar pra ele. Mas olhar pra ele mesmo, não apenas de relance. Foi enxergá-lo além da deficiência. Foi enxerga-lo como pessoa em primeiro lugar e não apenas visualizar a imagem preconcebida que se tem de uma criança com síndrome de Down. Então, talvez, ele mesmo seja a pílula dourada. Basta ter olhos de ver. E esta receita de cura serve pra qualquer um e tem efeito muito mais eficaz do que qualquer pílula. Por isso ele precisa estar junto das outras crianças de hoje que serão os adultos do futuro. Em todos os espaços. Para que a sociedade o enxergue por inteiro e não somente a sua deficiência.

25 comentários em “E se existisse uma cura?

  1. Concordo em gênero , número e grau. O mundo é que precisa tomar pílulas e deixar que nossos filhos sejam apenas eles mesmos . Afinal o que é especial? O que é normal? Os parâmetros do amor é que devem referenciar a vida e não do pré-conceito, que apenas afastar sem antes conhecer … Realmente, eles são nossa pílulas douradas e sagradas. Pois nos ajudam a ser melhores a cada dia que aprendemos com eles. Amo demais o meu Rafael.

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  2. Excelente texto e reflexão! Fiquei completamente tocada com seu relato. Ao abrir seu coração, compartilhar sua experiência, esteja certa que está ajudando muitas pessoas a compreenderem ângulos que escapam, seja na posição de quem tem na família uma criança com síndrome de down, seja na posição daqueles que por desinformação e preconceito perdem a oportunidade de enriquecer e aprofundar suas trocas afetivas no mundo. Parabéns Carla! Espero que esse texto tem ampla divulgação, ele é uma pílula de cura para os preconceitos! beijos

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  3. Me senti tocada com seu texto,pois vejo da mesma maneira,mas para mim é um pouco diferente,já que tenho duas lindas princesas com Sd,e tudo isso me parece tão chocante,quando saio do nosso lar,onde elas são elas mesmas,incríveis ao seu modo,e me deparo com os olhares de espanto,por ter minhas meninas.Ah,se existisse a pílula da aceitação e do respeito,aceitação do próximo,do jeito que ele é,sem precisar sem encaixar em um padrão,que sei lá eu quem criou,respeito,pela individualidade de cada um,pelo tempo de aprender.,essa pílula sim,eu iria até marte,se preciso fosse,para buscar,pois curar seres que são a verdadeira imagem e semelhança de Deus,esses com certeza não precisam de cura,na verdade eles é que vieram para curar,a todos que se permitirem ❤

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  4. Oi, sou mamãe especial também, mas minha filha tem Paralisia Cerebral. Quando vi as reporagens, tive a mesma questão. E, sabe, acho que apesar de buscar tratamentos e torcer para que minha filha evolua, não busco a cura, pois já aceitei ela ser como é. Não queria mesmo uma filha diferente. Digo isto no meu blog http://maedaizabel.blogspot.com e livro homônimo que lancei recentemente. Porém, acho as pesquisas, pílulas e etc bacanas afim de evitar que crianças nascam com determinadas síndromes. Na verdade, o assunto é muito delicado, pois também acho que certas coisas acontecem porque tem que acontecer. No meu caso foi acidente no parto, mas mesmo assim, eu acho que minha filha tinha que nascer asim, que foi escolha dela e que eu tinha que ser sua mãe…

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  5. Maravilhoso texto e reflexão.
    O mundo, os ohos e o coração humano é que precisam de cura.
    Li hj o texto da Luiza e como ela aprendeu com o Rafa. Fantástico, espetacular!
    Que sejamos como as crianças, capazes de entender e ver as diferenças como coisas simples.

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  6. Bravissima Carla, texto fantastico. Nao sao nossos filhos que precisam de uma “cura” mas os “preconceituosos normais”. E quem quer uma cura para o propio filho e’ porque’ nao aceitou ele do jeito que e’.

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  7. Eu curaria! Seja de síndrome de down ou de qualquer outro síndrome ou patologia. Acho que o ser humano, havendo a possibilidade, tem o direito de experimentar a plenitude de ser Humano sem condicionantes. É bonito e tocante ver como uma mãe ama tanto o seu filho, independente da sua condição ao ponto de não o querer mudar, mas muito sinceramente acho que é romantismo a mais… Uma pessoa com síndrome de down, para além de comprometimentos cognitivos e sociais (variando de caso para caso), tem também comprometimentos de saúde que os fazem ter problemas constantes e ter uma menos esperança de vida! E como eu disse, síndrome de down ou outra patologia qualquer, havendo cura para uma melhor qualidade de vida, acho que é muito válido! Andamos sempre em busca de curas e remédios para as nossas doenças, porque é que quando é com os outros fazem um papel de mães guerreiras e defendem os filhos e todas as suas limitações se poderiam ter a oportunidade de experimentar ser “normal”? Não entendo… Mas respeito e até posso demonstrar certa compreensão. Essa mesma mãe, se lhe fosse possível saber antes que ia ter um filho com síndrome de down e tudo estivesse tão avançado que era só tomar uma pílula e a síndrome desaparecia ainda antes de nascer, ela iria defender ter a criança mesmo assim? Então porque defende que ele permaneça assim depois de nascer? Pode passar por uma certa afectividade, um medo de estar perdendo um filho e ganhando outro, sem a capacidade de assimilar que são a mesma pessoa e se criam saudades imaginárias! Tudo que for para o bem do ser humano em todos os sentidos eu acho que faz sentido. E é delicado (por mais que se seja a mãe) fazer escolhas por uma outra pessoa, é filho mas não deixa de ser uma pessoa diferente! A tolerância social, é importante, sem dúvida, mas uma coisa não justifica a outra…

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    1. O que me transmitiu o texto da Carla: senti que sobre “o não ter cura para a SD” é menos importante do que a fraternidade, nossa aceitação pelo outro, (seja lá quem for), amor e disponibilidade é o que deveria estar arraigado em todos os corações! De resto, é estar fora da realidade. Um beijo grande, Carla e parabéns!

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  8. Nossa como me vi nas tuas palavras… Sou mãe de uma menino de 2 anos e 10 meses com SD, mas primeiro fui irma, meu irmão mais velho hoje com 52 anos tb é SD, então cresci com esse preconceito mascarado, com as dificuldades de aprendizado, e tudo mais que envolve a SD, mas em primeiro lugar aprendi e cresci num mundo puro, ingênuo e muito inteligente!!! De amor, que transforma!!! Que nos torna firmes e fortes!!! Questionei tb a “cura”, mas eu quero estímulos, métodos de aprendizagem, e que os pais e adultos aprendam com seus filhos e criancas de hoje o que é ser especial e ter coração aberto para todos os “diferentes” que a sociedade assim denominou!!! Somos todos diferentes porém iguais, pois em primeiro lugar somos seres humanos!!! @amomaisquetudo o meu reizinho e nao mudo nadinha nele…abcs em todos

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  9. Ótimo texto! Quando meu filho nasceu, confesso que pedi a Deus um milagre, também queria uma cura, mas logo percebi que era eu quem precisava ser curada. Era preciso ter o meu olhar curado, meus preconceitos, minha indiferença… E o milagre aconteceu quando assim como você, passei a enxergar meu filho além de uma síndrome. A SD não é o que o define, ele é muito mais que isso e é sim uma criança igual a qualquer outra. Também desejo que o milagre da cura aconteça no coração das pessoas para que elas passem a enxergar o diferente apenas como mais uma forma de se estar no mundo e não como uma doença contagiosa.

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  10. Na verdade nem *nós* sabíamos que estávamos recebendo um grande presente de DEUS. Sou mãe de uma *menina* hoje com 20 anos. Todas as interrogações que sentimos…são válidas, as inseguranças também…..Sem esses sentimentos nós não poderíamos chegar onde chegamos. Preconceito….EXISTE e vai existir sempre. Resolvi VIVER uma VIDA normalmente e quando aparece o preconceito sei colocar cada um/uma no seu devido lugar. Imagina então quando a Cintia ( minha FILHA/LUZ) estava com 10 anos sofri um AVC……- sem detalhes – Passado algum tempo/anos hoje convivo – e BEM – com dois preconceitos. Fiquei com sequela no lado direito – não me impede de NADA – e sou grata por estar VIVA, mais cuidadosa com MINHA SAÚDE. MÃE não vale a pena encher nosso coração de decepções, tristezas, mágoas,ETC…Muitas pessoas que olharam p/nós com sentimentos mesquinhos….pena, julgamentos, etc já partiram e nós continuamos aqui sendo feliz com as diferenças e com VIDA. Um grande abraço e um FELIZ DOMINGO, bjos milllllllllllll ANNA
    – Meu email é cibraca@hotmail.com
    Também tenho FACE Anna Mariah Ponuverem Brazil

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  11. Cura é? KKK e muitos KKKs iisso é ridículo… pq é que sempre que não aceitamos as condições que a vida nos propoe a viver busca-se cura . e o que é essa cura? é ser NORMAL kkk de novo, pois de perto ninguém é normal sabia?

    Ninguem quer saber quais os sentimentos que envolve quem não alcança esse “milagre” , essa cura.

    Que Deus é esse que cura uns e outros não? A culpa é dos pais? Que imagem de Deus é essa que coloca Deus como O vingador … o Padre está curando… o rezador está curando… o curandeiro está curando… há uma experiencia com um rato, um macaco … células tronco …Enfim, na verdade se pudéssemos andar mais devagar e acompanhar os passos lentos de uma pessoa não importa se idoso, deficiente ou acidentado … Se pudéssemos ter tempo para ouvir saberíamos acolher as limitações de cada um.

    Sim e a cura? A cura acontece no dia a dia , na medida que vc começa a entender que cada um tem sua missão especial, vc ,eu e todo mundo, enquanto não aceitarmos as diferenças de cada um como riqueza de valores iremos nos frustrando em buscas de curas , aquelas dos normais , que nunca chegarão, nunca chegarão…

    Uma coisa é certa , sempre haverá contradição quando o assunto é cura …

    “Cada um de nós compõe a sua história
    Cada ser em si
    Carrega o dom de ser capaz
    E ser feliz

    Tocando em Frente – Almir Sater
    meu email

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  12. Meu filho tem síndrome Cri du Chat. Ela acomete muito mais do que a SD. Então, respondendo por mim: EU CURARIA. É óbvio que amo meu filho, mais que tudo, não trocaria por outra criança nesse mundo. MAS, não vou ser hipócrita. [Nem estou dizendo que vocês são]. Eu curaria, para que ele pudesse ter uma melhor qualidade de vida. Sem tratamentos, podendo engatinhar, sentar, andar, falar, comer sozinho, ir ao banheiro sozinho, não depender de mim ou alguém pro resto da vida. Isso não se trata de aceitação, pois eu SEMPRE aceitei ele MUITO bem. Esse remedinho para a sociedade também seria ótimo, fundamental. Mas acho que, em casos em que as crianças são mais afetadas, deve-se buscar uma cura sim. Afinal, nós não vivemos com eles em tratamentos, buscando uma melhor qualidade de vida e maior independência?

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    1. Prezada Ale,
      também tenho um filho sindrômico e concordo com vc. O mundo da fantasia não existe. Toda mãe quer o melhor para o seu filho, então pq não ia querer curá-lo? Quanto a cura para a sociedade, nem Jesus conseguiu… então acordemos, ninguém muda ninguém e muito menos é obrigado a pensar como eu. Mas respeito e dignidade temos de exigir…

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  13. É, concordo com a Ale. Meu filho é autista e ñ são raros os momentos em q ele aparenta estar sentindo uma angústia q o faz chorar, gritar, às vezes bater… e eu sequer sei o q o angustia… ele ñ tem como me dizer… Então, se eu pudesse, claro que o curaria… Acho q cada caso é um caso e q ñ se trata de aceitação. Eu o amo incondicionalmente e adoro contar suas conquistas e gracinhas! Mas ele ainda é uma criança. E quando for adulto e depender de alguém pra sempre?

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  14. Sou um pai especial, meu lindão tem SD, acredito que todos os comentários estão corretos, explico: o problema não são as pesquisas para encontrar uma cura para a SD, elas devem existir, o problema é o tempo, valor e esforços voltados quase que exclusivamente para tais pesquisas que estão longe de algum resultado comparando com pesquisas que não querem a cura mas a qualidade de vida das crianças com SD, estas sim são pesquisas com resultados mais breves e possíveis

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  15. Olá Carla;
    Excelente seu texto e suas considerações sobre o preconceito das pessoas, a dificuldade da escola em enxergar as habilidades dessas crianças e principalmente da cura de que muitas pessoas necessitam, cura para se tornarem mais humanos. Gostaria e muito que não somente nós, pais e mães desses “pimpolhos”, vissem o quanto eles tem para nos ensinar, queria que toos percebessem o privilégio que é conviver com eles.
    Abraços carinhosos!!!

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